Bom, esse não será um post sobre Psicologia & Games porque eu quero, a postagem é minha e a moça dona do blog deixou então assim será.  Antes de tudo, quero dizer que não sou nenhuma expert em Filosofia e essas coisas maneiras e eu posso estar falando um monte de bosta mal interpretada e também que não joguei nem o Mother 1 nem Mother 3(o que pode aumentar ainda mais a chance de bosta), mas vou (tentar) falar de algumas das minhas impressões ao jogar Earthbound(Mother 2). Não vou dizer tudo, só o que mais me chamou atenção.
Earthbound tem uma crítica muito bacana ao sistema capitalista. Ela não superprofunda, mas é muito mais do que espera-se de jogo destinado a crianças. Eu vou primeiro abordar algumas críticas que eu considero os mais legais e depois fazer umas notas sobre o jogo. 

SE VOCÊ NÃO JOGOU E QUER JOGAR SEM SABER A HISTÓRIA, SAIBA QUE TEM SPOILERS ENTÃO PARE DE LER(eu já botei isso no título, mas é sempre bom ressaltar).

1. RESUMO TOSCO


Primeiro, vou fazer um resuminho da história: um dia, no ano de 199X, o menino Ness estava dormindo em sua casa e ouviu um barulho. Ele foi lá checar o que era, mas o seu vizinho chato Pokey ficou enchendo o saco e ele foi embora. Depois ele foi lá de novo e uma mosca, o Buzz Buzz, conta pra ele que ele precisa, junto com mais 3 crianças que ele ainda conhecerá(Paula, Jeff e Poo), salvar a Terra do Giygas. Então, o Ness embarca nessa aventura(com o aval dos pais - isso é muito importante pro final desse post). Ele precisa passar por oito "sanctuaries" e isso inclui ir para lugares como o Underworld, o Saturn Valley e outras bizarrices. Durante o jogo, o Pokey vive aparecendo e complicando sua vida, ele é um mini-vilão do jogo e no final você descobre que ele era controlado pelo Giygas(você luta também contra  ele quando luta contra o Giygas, no final).

2. PONTOS "LEGAIS"

2.1 Polícia

Logo na primeira cidade, Onett, para ir para o primeiro Sanctuary,  o Ness precisa derrotar o Frank, o "líder" de uma "gangue" de meninos que tem como HQ o fliperama. Depois de fazê-lo, os policiais da cidade não acreditam e testam o Ness, para ver se ele realmente é bom(inclusive, tem uma piada maravilhosa, o delegado diz que "crianças como você deveriam estar em casa jogando Nintendo"). Então quatro "puliças" vão pra cima do Ness(mas a luta, se me lembro bem, é com um de cada vez), e o quinto foge. Isso é uma referência ao caso do Rodney King, em 1991, que foi espancado por quatro policiais numa delegacia de Los Angeles. Aqui então temos uma crítica ao abuso de autoridade, mostrando um aparato policial desgastado e que age brutalmente contra o cidadão. Vale lembrar que a "instituição Polícia", especialmente a que age de forma brutal, é uma criação do capitalismo para manter a ordem e, às vezes, legimitar o Estado.
Mais para frente, na cidade de Fourside, o sr. Monotoli é um grande empresário que virou prefeito da cidade e a população local parece gostar muito dele(mas isso é muito artificial, alguns têm um certo medo de falar algo contra) e a Polícia age de forma a dar sempre preferência ao Monotoli do que qualquer outro cidadão. Aí então temos uma Polícia corrupta, que age de forma a beneficiar quem está em cima. É apenas uma forma de ressaltar a crítica a essa instituição, ao menos quando ela age contrária a sua função na sociedade - a de garantir os direitos dos cidadãos(e manter a órdem pública, claro, mas em prol dos cidadãos).

2.2 Instituição Religiosa


Earthbound também critica, não a religião no sentido de crença, ritos, comportamentos, dogmas etc, mas a instituição religiosa, como uma organização(i. e. Igreja Católica), que muitas vezes é utilizada para legitimar governos e, também, se detentora do poder, suprime a liberdade a outras religiões. 
É o que acontece em Happy Happy Village, a vila onde nasceu o Happy-Happyism, um culto que propõe que tudo deve ser pintado de azul(até os animais da vila são azuis). Eles se vestem de forma parecida com os membros da Klu Klux Klan e também tiveram inspiração no Aum Shinrikyo(ou Aleph), um culto japonês considerado organização terrorista por diversos países, criado por Shoko Asahara, que ficou famoso por ataques ao metrô de Tokyo com gás Sarin(substância que age no sistema nervoso, com alto índice de mortalidade), em 1995. Muitos deles têm uma fé cega, indo de porta em porta converter os outros. Os happy-happyistas raptam a Paula, supostamente para torná-la sacerdotisa, mas há quem diga(no jogo) que é para servir de sacrifício humano. Depois de derrotado, o líder do culto(o Carpinteiro) pede desculpas e o culto é dissolvido.
Aqui então temos a crítica ao fanatismo religioso e à instituição religiosa como "ditadora de ordens". É bom ressaltar que diversos governos usam a religião como base de apoio - não apenas governos fundamentalistas, mas também governos que se aproveitam do fato de a maioria da população seguir certa religião e troca favores com bancadas religiosas em troca de aprovação e legitimação social.


2.3 Grandes Corporações


Lembra do que falei sobre o Monotoli, que ele era o dono de uma grande empresa e prefeito da cidade de Fourside? Aliás, já reparou que o nome dele lembra muito a palavra "monopoly"? É uma crítica do jogo à relação, muitas vezes promíscua, entre governos e grandes empresas - a cidade é, literalmente, controlada por, no caso, uma única empresa. Pode ser levada como uma alegoria à privatização(vamos lembrar que essa moda começou nos anos 80) ou simplesmente ao fato de os governos priorizarem as empresas(como exemplos temos a atual crise européia, na qual os países que receberam resgate financeiro do Banco Central Europeu "repassaram" o dinheiro aos bancos e empresas enquanto diminuem os salários e aumentam a jornada de trabalho e os impostos do "cidadão comum"  e, também, o fato de o governo brasileiro abaixar os impostos de setores industriais ao invés de abaixar os da população para aquecer a economia e evitar uma crise). Temos então uma crítica ao neoliberalismo. No fim das contas, o sr. Monotoli devolve o prédio onde ele morava, o Edifício Monotoli, ao antigo prefeito(tornando o espaço um bem público, também pode ser interpretado como a "estatização das empresas", só que, no caso, feita de forma voluntária) e começa a trabalhar no elevador do prédio e uma forte campanha "Anti-Monotoli" começa na cidade.


2.4 Juntando Tudo


 O jogo critica importantes, senão essenciais, instituições do Estado capitalista. A Polícia, a "Religião" e as Grandes Corporações. Porém, não propõe, de forma clara, nenhum tipo de "solução" concreta. Por exemplo, a Polícia continua existindo quando o jogo termina e outras religiões aparecem no jogo, sem problema algum. Contudo, é proposto um "senso de comunidade" ao longo da história. Uma coisa interessante é que nem o Monotoli e nem o Carpinteiro agiam por vontade própria, eles eram controlados pela Mani Mani(isso não lembra "money money"?) Statue, que ajuda a espalhar a influência do Giygas pelo mundo, possivelmente colocando-o como raiz do "sistema"(ou, ao menos, das coisas erradas que acontecem no mundo). Ou seja, as pessoas não agem de forma má porque querem ou porque são ruins e sim porque algo as controla: não é o poderoso que detém o poder, mas sim o poder que detém o poderoso, e essa relação alienante alimenta o "sistema"(eu odeio esse termo - sistema - parece que é algo sobrenatural).
Eu sei que a chance de eu ter dito coisas nada a ver agora é alta já que o Giygas tem uma história e ela é contada no Mother 1. Entretanto, o Mother 2, apesar de ser parte de uma franquia e de uma trilogia, é um jogo com história própria e que deve ter uma coerência própria e seus personagens, um significado próprio, independentemente do que vem antes ou depois dele, ou seja, ele deve "falar por si próprio", por mais que hajam referências e pontos que são melhores compreendidos se soubermos do jogo que o precede. Também sei que o Giygas é um alien, o que também é interessante se pensarmos nele como algum tipo de representação do "Sistema", porque aí o que causa todo esse mal-estar, toda essa deturpação na sociedade é algo "de fora", algo que nos afasta da "natureza humana", algo que, com o perdão do trocadilho, nos torna alien-ados.
Na batalha contra o Giygas, é necessário que a Paula use a opção "Pray" e então, cada personagem que o Ness e seus amiguinhos conheceram ao longo do jogo pensam nas quatro crianças(ou em alguma específica) e isso vai derrotando o Giygas. Inclusive, você, jogador, contribui com isso(no meio da história, o jogo pergunta qual o seu nome e ele aparece nessa parte do jogo - particularmente, eu acho essa a sacada mais genial da franquia).
O nome original do jogo é Mother, e o "logo" é o planeta Terra. Dá pra entender? Se tem algo destruindo a Terra(nossa "mãe"), não são quatro crianças que vão resolver o problema. Algo que abrange o mundo todo requer, literalmente, todo o mundo para ser resolvido. Não existem heróis. Quando as pessoas começam a ajudar umas às outras, pensar no bem-estar das outras, é aí que as coisas se resolvem. Não foi você, não foi o Ness, a Paula, o Jeff ou o Poo que derrotaram o Giygas. Foram todos.
Não podemos dizer que o jogo vende alguma filosofia política - como comunismo, socialismo ou anarquia - já que ele não propõe nenhuma mudança na estrutura política(por exemplo, os prefeitos e a Polícia continuam existindo), mas podemos dizer que ele tem um "ar" esquerdista, propondo uma sociedade mais igualitária.

3. NOTAS/TRIVIAS


3.1 Família



A família é uma entidade importante em Earthbound. Embora o jogo faça uma crítica aos pais ausentes, com o pai do Ness, que aparece apenas "na forma" de um telefone, a família é colocada como essencial na vida de um indivíduo. Tanto que há um status em que o Ness simplesmente sente saudades de casa - o Homesickness - e uma das formas de curá-lo é ligando para mãe dele. Quando o Ness sai de casa, a irmã mais nova dele começa a trabalhar no Escargo Express, que é pra onde você deve ligar para guarda ou retirar itens. É ligando para o papai-telefone que você salva o jogo(e é ele que põe dinheiro na sua conta). A família está presente o jogo inteiro e contatá-la é essencial para realizar coisas fundamentais de qualquer jogo de videogame, portanto, independente de sua forma, ela não pode ser deixada de lado(ainda mais pra um garoto de 13 anos). Por isso que eu disse anteriormente que ter o aval dos pais é importante no jogo.

3.2 Pokey


Pokey é um personagem interessante, pois, ao mesmo tempo que ele aparentemente está sempre atrás do Ness, também está tentando passar a perna nele. Poderíamos dizer que ele é mais ou menos aquele esteriótipo do "individualista", que faz tudo em troca de benefício próprio. Mas ele também apresenta o outro lado da "moeda": de tão individualista,  ele é sozinho. Pokey não tem amigos. Ele tem apenas o Ness como um modelo a ser superado, talvez naquela ideia de que "a grama do vizinho é sempre mais verde". Mas ele também é controlado pelo Giygas, o que torna possível enxergá-lo como "produto do meio". 
É interessante notar que na parte do jogo em que o Ness entra na própria mente, o Pokey aparece ali, o que significa que, apesar de tudo, o Ness quis(e talvez ainda queira) ser amigo dele.

3.3 Conceito de Não-Violência


Durante o jogo todo, nenhum ser vivo terrestre é morto. Nas batalhas contra humanos, os inimigos "voltam ao normal", e contra animais, eles são domesticados. Não há uma ideia de matar aqueles que estão contra você, que estão te agredindo, e simplesmente de "livrá-los" do que está fazendo com que eles ajam "fora do normal"(é claro que há um certo uso de violência, você tem que atacar). Essa ideia é muito bacana porque ela, apesar de utilizar-se de violência, não coloca-a como algo a ser usado apenas em extrema necessidade, para legítima defesa(até porque, em geral, são os inimigos que vão atrás de vocês, embora você possa "pegá-los de surpresa" às vezes) e sem fins letais. 

4. CONCLUSÃO


Bem, pudemos ver nesse texto em estilo porco de monografia ABNT que Earthbound apresenta uma série de ideologias, incluindo críticas ao capitalismo neoliberal, ou ao menos, é assim que eu interpreto diversos elementos do jogo(afinal, a interpretação do enunciado é parte da avaliação e uma obra que pode ser interpretada de formas diferentes da que o autor tinha na mente é "mais do que arte"). Para fechar, eu só queria dizer que o texto talvez passe uma imagem que não era minha intenção construir - a de que tudo pra mim é "Sistema", "crítica ao Sistema", etc. Como eu já disse, odeio o termo "Sistema"(mas usei porque não achei nenhum melhor), não quis fazer apologia a nenhum sistema político e também não acho que o tal "sistema" seja uma "coisa do além", que não é criação humana. Não é nada disso, o sistema é "humano", porque foi criado por pessoas e são elas que o "alimentam"(afinal, empresas são dirigidas por alguém(ns), né?). Também não sou comunista, socialista ou anarquista. Eu só quis mostrar uma forma de interpretar certas coisas no jogo.



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